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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

IL DOLCE FAR NIENTE OU A APATIA DA GERAÇÃO NEM-NEM


“Il dolce far niente” constitui uma expressão italiana empregada para descrever aquele prazer indolente proporcionado pela sensação de não fazer nada despreocupadamente. Esta expressão designa o comportamento de uma parcela crescente da população juvenil (14-24) e que desde o início dos anos 2000 vem sendo caracterizada como “generation neets”: not employment, education or training. Este fenômeno sociocultural foi inicialmente identificado na Inglaterra, e mereceu até mesmo um relatório da House of Commons do Children, Schools and Families Committe, intitulado: Young people, not education, employment or training. Ainda não existe consenso sobre a adequação dessa expressão, na medida em que certos especialistas acreditam que seja estigmatizante e depreciativa, chegando mesmo a propor outros acrônimos como, por exemplo, “seeking education, employment and training” – SEET ou “people with untapped potential” – PWUPs, que se referem ao potencial inexplorado, ou mesmo, desperdiçado. Porém, independente do viés conceitual, é inegável a existência de um mal estar geracional que vem se alastrando mundialmente e que tem sido objeto de inúmeros debates na Espanha, Portugal, Itália, Japão, Argentina, México, e que vem despertando interesse crescente no Brasil.

Muito embora o fenômeno Nem-Nem (nem quer trabalhar e nem quer estudar) possa apresentar variações contextuais, que dependem sempre das classes sociais, do gênero, da etnia, das expectativas do grupo familiar de que fazem parte, ele parece apresentar algumas características comuns que merecem ser consideradas sociologicamente. Os jovens da Geração Nem-Nem não são necessariamente inativos economicamente ou completamente alheios a importância da qualificação; muitas vezes os jovens Nem-Nem possuem ocupação profissional e se encontram inseridos em cursos de formação, mas por razões diversas são incapazes de motivar-se, firmar compromissos e se tornar independentes de seus vínculos familiares. Além disso, os jovens Nem-Nem sentem ou percebem que estão sendo progressivamente excluídos de muitas atividades sociais decisivas para seu futuro, porém permanecem por meses, em alguns casos por anos, absorvidos em seus interesses pessoais como, por exemplo, a internet, as redes sociais, os vídeos games, etc. A conseqüência desse processo tem sido o aparecimento de um número crescente de jovens pragmáticos, acomodados e refratários a compromissos coletivos e, portanto, incapazes de abrir novos caminhos sociais. Esta situação é curiosamente paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que aumentam as liberdades individuais, os jovens Nem-Nem não conseguem escolher; mais precisamente: quanto maiores são as oportunidades de escolha, menor a capacidade de escolher.

As explicações para esse processo são multivariadas, mas todas parecem reforçar a hipótese da individualização introduzida por Ulrich Beck em Risk Society. Para Beck a individualização compreende um processo no qual o individuo passa a ser o ponto de referência central para si mesmo e para a sociedade, tornando-se a unidade central de toda vida social. A individualização esta associada ao que Beck denomina de processo de “modernização reflexiva”, no qual os processos constituintes da modernidade como, por exemplo, racionalização tecnológica, vínculos sociais e a biografia normal, mudanças de estilos de vida, estruturas de poder e influência, normas de conhecimentos e produção científica, etc., passam a atuar sobre si mesma de forma reflexiva. Neste contexto os indivíduos, progressivamente, enquanto agentes da ação, tornam-se responsáveis de suas próprias biografias, que são estabelecidas por meio de suas próprias escolhas. Isto significa, portanto, que no processo de modernização reflexiva os indivíduos são forçados a escolher a forma de espiritualidade, a profissão, o gênero, a sexualidade, etc. e a conseqüência desse processo é que a individualização acaba por ampliar e limitar as possibilidades de ação dos indivíduos, tornando-se, ao mesmo tempo, uma oportunidade e um risco. 


O lado irônico e, ao mesmo tempo, perverso deste fenômeno é que os chamados “filhos da liberdade” tornaram-se os “prisioneiros da apatia”. Como assinala Beck, a dissolução das formas tradicionais de autoridade (dimensão de libertação) associada a perda das formas de segurança (dimensão de desmistificação), não cria formas de inserção social (dimensão de controle). Nesse sentido, o drama da Geração Nem-Nem parece surgir da inexistência de meios reflexivos para se integrar a uma sociedade que se destradicionaliza e individualiza progressivamente. Por um lado, como os jovens Nem-Nem não podem recorrer a nenhum modelo de vida pré-estabelecido, tornam-se conservadores de uma realidade que existe cada vez menos; por outro, os projetos individuais e a idéia de mobilidade social passa ser moldada pelas coações dos meios de comunicação de massa. Parecem sempre em dúvida diante da escolha da formação a seguir e da profissão a escolher, tornando incerto também o fato de que a dedicação, o compromisso, o estudo, o título possam fornecer a correspondente compensação profissional e social. Portanto, para os jovens Nem-Nem não parece ser emocionalmente vantajoso comprometer-se com um projeto de vida definido, por  acreditarem que ele estaría sujeito as transformações sociais, e optam por flexibilizar os desejos e compromissos. 

 No Brasil esta questão reflete a assimetria típica que caracteriza nossa formação social, configurando um cenário ambivalente que opõem dois grupos de jovens. Nos estratos sociais superiores e urbanos temos o padrão Nem-Nem típico (Nem querem trabalhar, nem querem estudar); já nos estratos sociais menos favorecidos e rurais temos uma outra espécie de Nem-Nem atípico (Nem consegue trabalhar, nem consegue estudar), devido a sua condição social. Assim, muito embora  os dois grupos de jovens não consigam organizar e planejar suas biografias adequadamente, os motivos que justificam são diferentes. O interesse dessa problemática reside nos efeitos da apatía da Geração Nem-Nem sobre as formas de produção, transmissão e extensão do conhecimento na universidade.  

sábado, 29 de janeiro de 2011

Vivendo na vulnerábilidade, agindo nos desastres

1 - O paradoxo dos desastres
Os desastres comportam um paradoxo intrigante: a vulnerabilidade é produzida socialmente pelas formas de couapação do espaço e utilização dos recursos naturais, mas permanece ignorada pela sociedade que só age sobre as variáveis naturais. Porque apesar de produzidos socialmente os desastres permancem desconhecidos sociedade? A resposta é simples: não é a chuva que produz o desastre; o desastre é incubado socialmente pelas formas de reprodução social. Os desastres não são fenômenos naturais, pois tempestades ou chuvas somente se convertem em desastres quando impactam uma população vulnerável. A freqüência e intensidade dos desastres constitui, portanto, o produto da correlação de dois conjuntos de variáveis: 1) o evento (geofísico, meteorológico, hidrológico, etc.); 2) o impacto (habilidade da população para se preparar e se recuperar).


Os desastres constituem um problema de desenvolvimento socioeconômico. Por muito tempo acreditou-se que os desastres constituíssem um problema para o desenvolvimento de uma região: certos fenômenos naturais como, por exemplo, secas, chuvas, terremotos, etc. poderiam obstruir o desenvolvimento de uma região. Mais recentemente, contudo, percebeu-se que na maior parte dos casos os desastres constituem um problema produzido pelo próprio desenvolvimento: certos padrões de desenvolvimento socioeconômico acabam sobrecarregando a capacidade de suporte do ambiente natural. Essa mudança de perspectiva assinala que os desastres deixaram de ser vistos como fenômenos exteriores à sociedade, e passaram a ser concebidos como um produto do padrão de interação sociedade/natureza, mediado pelas estratégias de desenvolvimento socioeconômico.

2 - Novas respostas para velhas questões
Do ponto de vista analítico, um Desastre (D) constitui o resultado da correlação entre o risco de ocorrência de um Evento (E), mais a Vulnerabilidade (V) da população: D = E ↔ V. Isto significa que é necessário o conhecimento tanto das variáveis naturais como, por exemplo, informações meteorológicas, hidrológicas, sísmicas, geológicas, etc., quanto das variáveis sociais relativas ao tipo de organização da população em termos de acessos aos recursos e preparação para ocorrência de um evento. O que vem se observando nos estudos sobre desastres nos últimos anos é a existência de uma assimetria de conhecimento entre estes dois conjuntos de variáveis. Temos muito conhecimento sobre os fatores naturais que incidem sobre os desastres e muito pouco sobre as variáveis sociais. A conseqüência mais evidente desta assimetria é que a maior parte das medidas de confrontação dos desastres incide sobre as variáveis naturais em detrimento das variáveis sociais.

Como podemos notar, a dificuldade de compreender e agir adequadamente sobre os desastres resulta da combinação, sempre dinâmica, da mediação estabelecida pelo processo de desenvolvimento socioeconômico entre a sociedade e natureza. Se um desastre constitui a relação entre um evento físico e a vulnerabilidade da população, podemos afirmar que sua ocorrência compreende a dissolução da rede sociotécnica que associa simbólica e materialmente o mundo social ao mundo natural. Isto quer dizer que cada região ou cada sociolocalização representa simbolicamente (valores) e manipula tecnicamente (processo produtivo) a sociedade e a natureza, estabelecendo configurações específicas da paisagem; mais precisamente, ocupando o espaço e utilizando os recursos de forma específica, formando estruturas urbanas e rurais próprias. Uma barragem, por exemplo, constitui uma forma de adequar o mundo natural ao mundo social variando de significado historicamente de acordo com sua utilização social. Assim, na maior parte dos casos, a atuação sobre as variáveis naturais em detrimento das variáveis sociais se explica pela necessidade de sustentar o padrão de desenvolvimento da região.

3 - Subsídios para confrontação dos desastres
As conseqüências desta mudança de perspectiva representaram uma profunda modificação na definição de estratégias de confrontação dos desastres. O ponto central da análise reside na investigação da vulnerabilidade da população. Nesse sentido, argumenta-se que os desastres obedecem a um “princípio de continuidade”: as condições observadas no período pósimpacto constituem o produto das condições observadas no período préimpacto. Assim, se no Tempo-1 (préimpacto) temos uma situação de vulnerabilidade, esta situação se converte em destruição no Tempo-2 (pósimpacto). Portanto, argumenta-se que quanto mais vulnerável encontra-se uma população no T-1, maior a destruição observada no T-2. Isto significa que a freqüência e magnitude dos impactos dos desastres constituem uma propriedade da capacidade da sociedade de conceber cognitivamente e agir consistentemente sobre o problema em termos de obras que procurem mitigar e prepare a população para a ocorrência do evento. Portanto, podemos dizer que a vulnerabilidade de uma população constitui o resultado de seu padrão de desenvolvimento, pois quanto mais o padrão de desenvolvimento sobrecarregar a capacidade de suporte ambiental, maior são os riscos. Logo, os desastres constituem a materialização da vulnerabilidade; isto significa que a vulnerabilidade exprime a capacidade de absorção de um impacto, que por sua vez depende sempre das condições sociotécnicas da população.
Ao mesmo tempo em se aperfeiçoam os dispositivos de controle